Justiça do Paraná autoriza transfusão de sangue em bebê após pais recusarem procedimento por motivos religiosos
21/08/2025
(Foto: Reprodução) Cinco perguntas e respostas sobre doação de sangue
O Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) autorizou a transfusão de sangue em um bebê após os pais, que são Testemunhas de Jeová, a recusarem por motivos religiosos.
A decisão foi assinada pelo juiz Robespierre Foureaux Alves, da Vara da Infância e Juventude de Maringá, no norte do estado.
Segundo o TJPR, o bebê de três meses tem síndrome de Down, uma cardiopatia congênita e está internado com dengue grave e sepse.
▶️ As Testemunhas de Jeová se baseiam em interpretações de passagens bíblicas que consideram o sangue sagrado e, por isso, não aceitam transfusões de sangue. Sendo assim, os seguidores da religião evitam "tomar o sangue" por qualquer via, por obediência divina.
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O hospital relatou à Justiça que era necessário monitoramento constante e uma possível realização de transfusão sanguínea para prevenir descompensação cardiovascular grave, intubação e risco iminente de morte.
Na decisão, o juiz destacou que negar a transfusão à criança pode causar a morte ou lesão grave permanente, o que implicaria "na restrição máxima e irreversível ao direito à vida da criança".
Dessa forma, conforme Alves, a autorização implica na restrição moderada e temporária à liberdade de crença dos pais, o que é, segundo o juiz, desproporcionalmente menor ao sacrifício da vida da criança.
"Não se exclui o direito à liberdade religiosa de seus genitores. Contudo, a proteção do direito à liberdade de crença, em níveis extremos, defronta-se com outros direitos fundamentais, norteadores de nosso sistema jurídico-constitucional, a saber, os direitos à vida e à saúde", defende o juiz.
Com a decisão, a equipe médica pode fazer, sempre que necessário, transfusão sanguínea e procedimentos considerados imprescindíveis para a preservação da vida e da saúde da criança durante o período de internação.
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Venilton Küchler
STF autoriza recusa de tratamento pessoal
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem teses que definem o direito à recusa ao tratamento médico por pacientes por motivos religiosos.
Conforme a decisão, esse direito só pode ser exercido para pacientes adultos, que tenham manifestado pessoalmente o desejo de recusar o tratamento de forma oral ou por escrito, desde que seja uma decisão informada e livre do paciente.
Sem a manifestação pessoal do paciente, o profissional de saúde deve adotar todas as medidas indispensáveis à preservação da saúde dele, independentemente de eventuais pressões exercidas por familiares do paciente.
"Desse modo, na situação de um paciente adulto não possuir manifestação de vontade escrita e não tiver capacidade de exprimir sua vontade, a atuação médica deve se dar em conformidade com os ditames legais e éticos aplicáveis, adotando todas as medidas indispensáveis à preservação da vida e da saúde do paciente, independentemente de influências ou pressões externas, uma vez que somente a manifestação expressa do próprio paciente legitima a recusa do tratamento", diz a decisão de relatoria do ministro Gilmar Mendes.
Na prática, com uma manifestação do paciente, o médico deverá buscar procedimentos alternativos à transfusão de sangue ou ao tratamento proposto, como detalha Ricardo Luís Lopes Kfouri, advogado atuante na área do Direito Médico-Hospitalar.
"A atuação médica, como a decisão do STF reafirma várias vezes, deve se dar sempre em conformidade com os ditames legais e éticos aplicáveis, adotando todas as medidas indispensáveis à preservação da vida e da saúde do paciente", explica.
Além disso, com a negativa do paciente, o médico não pode ser responsabilizado por eventuais complicações ou sequelas que aconteçam pela falta do tratamento recusado – desde que o profissional de saúde tenha buscado as alternativas viáveis e atuado dentro dos princípios éticos e legais.
"Outras condutas do médico em uma situação como esta serão avaliadas do ponto de vista da responsabilidade, como, por exemplo, se ele empregou todos os métodos disponíveis e compatíveis com a crença professada pelo paciente. O abandono ou a negativa de atendimento por parte do médico, deixando de trazer tratamentos alternativos que respeitem a vontade do paciente, poderão, sem dúvidas, acarretar a responsabilidade administrativa, civil e criminal", ressalta Kfouri.
Princípio da Proteção Integral e Prioritária
Além das teses firmadas pelo STF, a decisão do juiz Robespierre Foureaux Alves considerou também princípios presentes no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Entre eles, a proteção integral e prioritária do direito das crianças, inclusive o interesse superior da criança e do adolescente. Isso significa que, em casos de conflitos de interpretação, a decisão deve privilegiar a proteção dos direitos da criança e do adolescente.
O juiz destaca também o artigo do ECA que prevê a responsabilidade do poder público em assegurar os direitos das crianças, inclusive em casos de falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.
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