Família de brasileiro morto na guerra da Ucrânia não consegue acesso à indenização prevista em contrato

  • 17/09/2025
(Foto: Reprodução)
Brasileiro morto na Ucrânia compartilhava rotina com a família Nove meses após receber a notícia da morte de Jefferson de Paula da Silva Jacobe na Guerra da Ucrânia, a família dele ainda não teve acesso à indenização prevista no contrato assinado pelo combatente brasileiro com o governo ucraniano. Segundo Lizlaine Silva, irmã de Jacobe, o valor seria usado para a criação das filhas do soldado, que têm 9 e 4 anos e moram com a mãe, em Curitiba. Oficialmente, Jacobe é considerado desaparecido desde o dia 31 de dezembro de 2024, quando saiu para uma missão militar. A família, porém, recebeu a confirmação da morte dois dias depois, por meio de uma ligação telefônica feita por um soldado que lutava ao lado do curitibano. ✅ Clique aqui para seguir o canal do g1 PR no WhatsApp Se um soldado desaparece durante a guerra na Ucrânia, o governo prevê que a família receba o salário dele até que ele seja oficialmente declarado como morto. Depois disso, a família se torna elegível para receber um pagamento de 15 milhões de hryvnias ucranianos – o equivalente a cerca de R$ 1,9 milhão, pago em parcelas. Para soldados estrangeiros, conforme o governo ucraniano, as famílias devem contatar a embaixada ucraniana no país de origem e indicar um representante na Ucrânia para submeter documentos e abrir uma conta bancária. O papel é geralmente desempenhado por um advogado. A família de Jacobe, porém, não tem condições financeiras para pagar um profissional para representá-los no país europeu. "Não é sobre pegar algum dinheiro. É sobre as meninas terem o sustento delas, para pelo menos ele ser honrado dessa forma, porque nenhuma vida tem um valor específico", desabafa a irmã. LEIA MAIS: Promessa: Combatente volta da Ucrânia para entregar pertences de paranaense desaparecido na guerra a familiares 'Não sabia se iria conseguir sair dessa': Paranaense na guerra da Ucrânia foge do país após não conseguir quebrar contrato com o governo Encontro: Jovens se conhecem como voluntários na guerra da Ucrânia, começam a namorar e retornam ao Brasil para ter o primeiro filho 'Decepções da vida o levaram até lá' Jefferson de Paula da Silva Jacobe morreu durante combate na Guerra na Ucrânia Arquivo Familiar Segundo Lizlaine Silva, o irmão saiu de Curitiba para morar em Portugal. Depois de a ex-companheira e as filhas pequenas voltarem para o Brasil, Jacobe passou pela Alemanha e, lá, decidiu ir para a Ucrânia, onde chegou em novembro de 2024. Jacobe conversava frequentemente com a irmã por mensagens e o rapaz enviava vídeos relatando o dia a dia como combatente. De acordo com a irmã, como soldado, Jacobe se sentia útil. "O que fez ele ir para lá foram as decepções da vida. Ele deixou as decepções entrarem na mente dele. Então, ele decidiu pegar toda a força dele e usar nisso. Ele queria lutar por algo que ele acreditava de verdade", conta. O último contato entre Lizlaine e Jacobe foi no dia 31 de dezembro daquele ano. Mais cedo, o irmão tinha informado a ela que partiria para uma missão militar. Na mensagem de voz, Lizlaine desejou um feliz ano novo e disse que o amava. O irmão reagiu ao recado com um coração. A mulher conta que, no dia 2 de janeiro de 2025, recebeu um telefonema de um número desconhecido, de uma pessoa cuja foto mostrava uma farda. Do outro lado da linha, falava o soldado que esteve com Jacobe na linha de frente quando o irmão de Lizlaine foi baleado. "Eu falei assim: 'Só fala para mim o que aconteceu'. Eu já sabia, né? Não queria enrolação", lembra. Além da notícia, o soldado explicou a ela que o corpo de Jacobe não pôde ser recuperado e ficou no campo de batalha. Sem o corpo, porém, o governo ucraniano não oficializa a morte, e o soldado é considerado desaparecido. Lizlaine descreve o sentimento de receber a notícia da morte do irmão como "um pesadelo". Porém, enxerga como parte importante do processo do luto saber o que de fato aconteceu, ao contrário de famílias de soldados que não têm contato com os colegas de batalhão e vivem sem informações sobre o paradeiro dos combatentes. "Essa confirmação de morte é dolorosa demais para todos nós, sim. Mas pelo menos você já sabe o que aconteceu. Você não fica se torturando, achando que está desaparecido", afirma. Jefferson de Paula da Silva Jacobe morreu durante combate na Guerra na Ucrânia Arquivo Familiar Atuação do Itamaraty é limitada em casos como o de Jacobe O Itamaraty, Ministério das Relações Exteriores, por intermédio da Embaixada do Brasil em Kiev, presta a assistência consular cabível aos familiares dos brasileiros que se alistam para a guerra na Ucrânia. Porém, a atuação consular não permite que o órgão atue como parte ou procurador em processos judiciais ou administrativos envolvendo cidadãos brasileiros no exterior. Victor Del Vecchio, advogado especialista em Direito Internacional, explica que a atuação consular é limitada, entre outros motivos, pela esfera do acordo entre o soldado e o governo ucraniano. "A relação firmada entre um indivíduo e o governo ucraniano não é uma relação de Direito Internacional Público, na qual os dois Estados devem agir resguardando os seus interesses. Então, quem tem que cobrar o governo ucraniano é a família do rapaz. O Brasil não tem gerência sobre esse tipo de relacionamento. Isso é um contrato privado que o soldado firmou com o governo ucraniano", destaca. Atuação do governo brasileiro em apoio a brasileiros que lutam na Ucrânia é limitada No fim de julho, o Itamaraty publicou um alerta recomendando que propostas de trabalho para fins militares sejam recusadas. No aviso, o órgão destacou que a assistência consular, nesses casos, pode ser severamente limitada pelos termos dos contratos assinados entre os voluntários e as forças armadas de outros países. O especialista em Direito Internacional Victor Del Vecchio também vê com pessimismo a chance de pagamento de indenização aos familiares de combatentes mortos durante o conflito. O Ministério das Finanças da Ucrânia diz que em 2024 gastou quase US$ 52 bilhões na guerra, com cada dia custando cerca de US$ 142 milhões. Para 2025, o governo alocou outros US$ 49 bilhões em Defesa e Segurança, o que equivale a mais de um quarto do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Os gastos não militares planejados pelo país estão sendo cobertos, em grande parte, por ajuda internacional, com alguma contribuição de fontes de receita interna, de acordo com o Ministério. "A Ucrânia é um Estado que está falido, que tem o maior gasto percentual de PIB em forças armadas do mundo, que está devendo muito, que tem que reconstruir um país em guerra, que tem que gastar para manter forças de apoio humanitário, de hospitais, enfim... Uma série de despesas que giram em torno da guerra e da situação que ela traz. Não é o pagamento de um soldado caído, de outro país, que está no topo da lista de prioridades da Ucrânia", diz o advogado. Soldados buscam alternativas A paranaense Adriane Marschall Pereira, de 21 anos, atuou como voluntária na guerra. Enquanto esteve na Ucrânia, trabalhou fazendo contato com as famílias de soldados latino-americanos que desapareciam ou morriam no conflito. No período em que desempenhou o papel, não teve conhecimento de famílias que tiveram acesso ao salário ou a indenização. Em alguns casos, porém, acompanhou situações em que os próprios soldados se organizaram para ajudar a família de algum companheiro morto. "Quando tinha uma família que dependia totalmente do marido, se ele morria e a família não tinha condições, os próprios soldados faziam vaquinhas e ajudavam a família de seu companheiro falecido", conta. De acordo com a voluntária, os pais de família são minoria no combate. Segundo ela, a maior parte dos soldados estrangeiros são homens sozinhos. A guerra entre Rússia e Ucrânia A guerra na Ucrânia começou em fevereiro de 2022, quando o presidente russo, Vladimir Putin, autorizou uma ofensiva militar contra o território ucraniano. Desde então, o conflito provocou milhares de mortes, milhões de refugiados e intensos combates, especialmente no leste e sul do país. Segundo o Itamaraty, até a última segunda-feira (15), foram registrados 10 brasileiros mortos e 18 desaparecidos na guerra. A Ucrânia conta com apoio militar, financeiro e humanitário de países ocidentais, como os Estados Unidos e a União Europeia. A Rússia, por outro lado, enfrenta sanções econômicas internacionais. Apesar das negociações em curso, ainda não há perspectiva concreta de fim do conflito. VÍDEOS: Mais assistidos do g1 Paraná Lizlaine descreve o sentimento de receber a notícia da morte do irmão como "um pesadelo". Porém, enxerga como a importante para o luto saber o que de fato aconteceu, ao contrário de famílias de soldados que não têm contato com os colegas de batalhão e vivem no escuro, sem informações. Leia mais notícias no g1 Paraná.

FONTE: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/2025/09/17/familia-de-brasileiro-morto-na-guerra-da-ucrania-indenizacao.ghtml


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